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Olá, navegando um pouco pela internet à procura de material para outro trabalho de História e Evolução do Design recebi um link com uma matéria muitíssimo interessante. Não sei ao certo se essa matéria se espalhou para outros alunos do Rei Salomão (afinal, não dizem por aí de designer é rei? =D) muito menos se alguém já postou. Indiferente à isso, é uma matéria que merece estar aqui, e também em tantos outros blogs, sites e qualquer meio que venha gostar e admirar o Design.


Não existe mudança, inovação ou desenvolvimento sustentável sem design



As pessoas têm dificuldades para entender um significado amplo do que é design, mas elas entendem o resultado de um design bem feito, quando se trata de um produto. Ultimamente, o design tem sido usado como argumento de venda de carros, relógios e edifícios. Os anúncios veiculados na mídia usam o substantivo design quase como um adjetivo de impacto. Design, então, é entendido como sinônimo de arrojado, inovador ou tecnológico. A palavra design tomou conta da imaginação dos redatores publicitários e da necessidade do processo da inovação neste momento de mudanças econômicas.

O Random House Unabridged Dictionary marca a origem da palavra design entre 1350 e 1400, quando a matemática, a engenharia, a física, a poesia e o design haviam se misturado para a criação dos relógios mecânicos. Uma palavra surge quando falta algum significado mais preciso na comunicação das pessoas. A palavra design começa, portanto, a fazer sentido no início do Renascimento Europeu, quando as manifestações de design começam a ser percebidas como um diferencial possível na vida das pessoas e no comércio. Nessa época, o relojoeiro era um habilidoso praticante de várias disciplinas, mas não era percebido como um designer. A necessidade de alguém ser designado como designer aparece mais constantemente quando a Revolução Industrial faz com que um profissional especializado seja percebido como uma etapa do processo produtivo industrial. Costuma-se elaborar que o design surge no momento em que começa a existir um projeto definido para ser produzido em série, em que será exigido das máquinas a realização de funções repetitivas. Neste processo, uma entidade profissional projeta uma ideia e outro grupo executa a produção. Projetar e executar são tarefas diferentes, como acontecia na maturidade da Revolução Industrial.

Alguns administradores entendem o design como um assunto ligado à decoração ou à moda. Eles estão parcialmente certos, o design está comprometido com a estética. Outros executivos percebem que o design confere uma qualidade a um produto tecnológico. Também estão parcialmente certos, porque quando o design é bom, ele confere um selo de valor a um produto. Porém, design é muito mais do que objetos bem realizados. Design é um processo que qualquer ser humano consegue conjugar naturalmente. Ultimamente, eu tenho lido alguns artigos de especialistas em Branding ou Marketing que tentam separar a prática do Design dessas suas especialidades profissionais. Bobagem, porque eles também são designers. Todos nós somos. O design tem a idade do australopithecus, que se transformava em homo habilis, preocupado em aumentar seus parcos recursos, ainda muito distante do homo sapiens.

Como a prática do design sempre foi natural para o ser humano, as pessoas encontram dificuldade em entender os limites dessa habilidade. Na verdade, o primeiro entendimento veio através da filosofia. A palavra arte poderia substituir a palavra design se aquela (arte) tivesse sido mantida com a acepção grega pensada por Platão, uma habilidade para a execução de uma finalidade prática realizada de forma consciente, uma habilidade de materializar as aspirações humanas. Aristóteles imaginou um conjunto de procedimentos, através dos quais seria possível obter um resultado prático. Esses pensamentos envolvem uma capacidade natural do homem, uma intenção de aplicar essa habilidade e uma consciência prática que guia o processo. Quase exatamente como Herbert A. Simon imaginou o Design Thinking, quando estava criando as bases da Arquitetura do Conhecimento e da Inteligência Artificial.

Mas as palavras mudam, evoluem com a cultura. Estima-se que existam hoje 540 mil palavras na língua inglesa, cinco vezes mais que no tempo que Shakespeare foi capaz de escrever tantas obras de arte. As palavras tornam-se tangíveis proporcionalmente à sofisticação da mensagem e mudam de significado também. A palavra latina ars, artis indica uma habilidade natural ou adquirida que permite gerar ciência, ofício, instrução, conhecimento, profissão, destreza, perícia. Já a palavra artista surge quase um milhar de anos depois da palavra arte, no latim medieval, da mesma forma evolutiva como a palavra designer surgiu 300 anos depois da palavra design. Arte e design sempre estiveram completamente inseridos na vida humana, no dia-a-dia da evolução. Embora arte seja uma manifestação de design, as palavras ainda se confundem. Tanto o artista como o designer conseguem imaginar um futuro próximo com a existência da sua obra. Eles inventam, preveem a obra concluída e executam todas as tarefas necessárias para que ela exista, sozinhos ou com sua equipe de ajudantes. A palavra arte se descolou das tarefas diárias durante a Revolução Industrial, quando começa a ser praticada como uma manifestação superior ao comum, com um grau de excelência.

Se isso é verdade, se todos nós temos a capacidade natural de fazer design, por que o mundo material e as cidades são tão desagradáveis? Por que o interesse estético, embora seja biológico, está abaixo do interesse econômico? A maioria das empresas e dos governos não incluem o fator “bom design” no seu processo evolutivo, embora o design esteja lá em todos os seus departamentos, sendo praticado por designers profissionalmente amadores. Essa é a natureza humana, fazer da forma mais fácil e imediata. A necessidade gera a invenção, nem sempre a mais estética ou eficiente. Uma busca rápida na lista de inventores precoces da Revolução Industrial mostra que agricultores, relojoeiros, tecelões, barbeiros, músicos, párocos, matemáticos foram os primeiros empreendedores que acreditavam na mágica da transformação tecnológica. Ninguém tinha diploma de “inventor”, eram pessoas comuns, saídas do mundo real, que se transformaram nos protagonistas de uma revolução.

Vamos nos lembrar da primeira manifestação pública e oficial da maturidade da revolução industrial, na Grande Exposição de Londres, em 1851. Embora fosse plena de nobres intenções para “favorecer a integração entre a indústria e as artes através de uma colaboração capaz de compor o contraste entre organização industrial e criação artística”, o resultado entre os críticos foi contundente. Thomas Maldonado foi devastador ao afirmar que o desenho industrial sofreu um golpe de extremo mau gosto. As peças expostas somente contribuíram para mostrar o risco da degradação estética vigente através da produção industrial, com honrosas exceções. De lá para cá, pouca coisa mudou no mundo dos negócios. Os especialistas em design continuam sendo lembrados no final de um processo para criar um acabamento final mais agradável. Neste caso também com honrosas exceções.

Empresas poderosas como Toyota, IBM, Philips, BMW já acordaram e praticam o design thinking, o pensamento através do design, em toda a sua linha de negócios. A Samsung se transformou de uma empresa dominada pelos engenheiros para uma multinacional focada em design. A Procter & Gamble criou uma vice-presidência de Inovação e Design com o objetivo de disseminar o design thinking em toda a sua estrutura, não apenas nos seus produtos. Ninguém consegue imaginar a Apple sem o design em toda a sua cadeia executiva. O Google é uma empresa de design thinkers. Algumas empresas abriram um espaço nos seus boards para os designers. Essas empresas perceberam que a inovação é um processo multidisciplinar e que o design faz parte imprescindível dessa equipe. Como Herbert A. Simon percebeu, em 1969, que o design está diretamente relacionado com a transformação do presente para outra situação preferida, em qualquer área, em qualquer disciplina, principalmente nos negócios. Por isso, ele acabou conquistando o Prêmio Nobel de Economia.

Tudo que não é natural é artificial e uma manifestação de design. Portanto, caro leitor, lembre-se de que você está lendo esse texto por causa da capacidade humana de resolver problemas através do design. Tudo que estiver ao seu redor, e não for natureza, é uma ação tangível de design. Olhe em volta agora. É bem possível que, nesse preciso momento de observação, você seja o único representante da natureza na sua sala. Ou talvez você esteja acompanhado de outro humano, de uma planta ou de seu animal de estimação. Em outras palavras, não existiria escrita, imprensa, engenharia, cidades, artes, negócios ou marketing sem design. Não existiria desenvolvimento humano sem design, quanto mais desenvolvimento sustentável.

No mundo de hoje, no qual a convergência de disciplinas se torna vital para a inovação mais permanente, não faz sentido tentar colocar o design de lado de qualquer processo, já que ele está totalmente inserido na experiência humana. Design não é uma manifestação final de um processo mental. Design faz parte de todo o processo mental. Quanto mais as pessoas tiverem a consciência desse fato, mais valiosa será a transformação desejada. Nesse momento crítico de impasse econômico e de mudanças urgentes necessárias, o design consciente é absolutamente necessário para a invenção de um futuro diferente e melhor. Todos nós precisamos nos transformar.



Rique Nitzsche, design thinker há mais de 15 anos, professor de Design Estratégico e Planejamento Estratégico de Design na pós-graduação da ESPM e diretor de criação da AnimusO2.



Gostaria de deixar registrado meus agradecimentos ao autor da matéria que permitiu que a mesma fosse publicada aqui.

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